Ruchita e o convite para escutar o invisível
A obra Ressoe revela como a linguagem corporal pode atravessar fronteiras e construir conexões profundas

O nosso Personagem da Semana é a artista multimídia Ruchita, cuja trajetória atravessa continentes, linguagens e o próprio limite do que entendemos como comunicação. Em sua mais recente criação, RESSOE, ela propõe uma pausa em meio ao frenesi cotidiano para nos fazer uma pergunta essencial: como nos comunicamos quando as palavras não são suficientes?
A inquietação nasceu de uma vivência íntima. “Foi ao receber uma mensagem de uma amiga que não usava palavras, mas que mesmo assim eu consegui entender completamente o que ela queria me transmitir. Aquilo me despertou uma curiosidade profunda”, relembra Ruchita. A partir desse instante, surgiu o desejo de investigar o que existe além do discurso verbal — e como isso reverbera em diferentes culturas, vozes e silêncios.
Com uma câmera na mão e a escuta atenta, ela percorreu países como Tanzânia, Chile, Colômbia e Espanha. Mas ao contrário do que se imagina, as mensagens não foram enviadas remotamente. “Eu estava in loco nesses lugares, filmando. E foi muito interessante ver a disponibilidade das pessoas, o quanto elas se sentiam tocadas pela proposta, o quanto se emocionavam. Muitas vezes, depois de enviar a mensagem, elas mesmas paravam para se questionar uma série de coisas”, conta.
RESSOE é um convite de Ruchita para parar, escutar e sentir — com o corpo, não apenas com a mente.
Para ela, foi impossível não notar algo ainda mais profundo: uma humanidade compartilhada. “Na Tanzânia, no Chile, em Alagoas ou na Colômbia, era a mesma coisa. A mesma sensação, a mesma motivação, o mesmo sentimento. Quando deixamos de lado a linguagem verbal, cai uma fronteira enorme — e aparecem, com nitidez, as nossas semelhanças.”
O que parecia ser um desafio técnico — reunir sons, olhares, gestos e vibrações de diferentes partes do mundo — acabou se revelando menos difícil do que a tarefa de apresentar tudo isso ao público de forma potente. “O maior desafio foi: como mostrar isso de uma maneira que a mensagem fosse recebida de verdade? A ideia da vídeoinstalação surgiu daí. Precisava ser um espaço imersivo, onde a pessoa se sentisse parte daquele universo de mensagens”, explica.
O resultado é uma obra construída a partir de ruídos cotidianos, silêncios intencionais e murmúrios que falam diretamente ao corpo e à memória. “Me inspirei muito em John Cage, que usava os sons da vida comum como música. E fui mergulhando também em estudos da neurociência sobre expressão corporal, tom de voz, elevação de volume, gestos, ruídos... Tudo isso comunica. Tudo isso importa.”
A própria trajetória de Ruchita contribuiu para moldar essa sensibilidade. Aos 16 anos, foi morar no Chile. Aos 18, mudou-se para os Estados Unidos. “Sempre tive que me adaptar a línguas que eu não dominava. E percebi, na prática, o quanto a comunicação não verbal é fundamental. A nossa expressão corporal, nossa vontade interna, a disponibilidade para além da linguagem... Tudo isso faz com que a gente se conecte de verdade.”
Essa conexão, aliás, é o que a move — e o que deseja compartilhar com o público. Formada em Comunicação Audiovisual pelo International Fine Arts College de Miami, Ruchita já expôs em países como Itália, Suíça, Tasmânia, Espanha, Portugal, EUA, Polônia, Israel e Índia. No Brasil, sua obra passou por cidades como São Joaquim, Joinville, Florianópolis, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Mas para ela, tão importante quanto a circulação internacional é garantir o acesso à arte onde quer que esteja.
“Eu acho que a maior barreira entre o público e a arte contemporânea é a falta de acesso e de hábito. Meu trabalho tenta, de alguma forma, contribuir para essa mudança. No caso de RESSOE, a proposta é democratizar: levar a arte para um lugar acessível, gratuito, aberto, onde qualquer pessoa possa ter essa experiência — mesmo que nunca tenha pisado numa galeria.”
A vivência, para ela, é o ponto de partida. “Estar presente, para mim, é consciência. É permitir-se uma pausa, uma atenção real. A arte, nesse sentido, é um respiro. É um convite ao questionamento, à presença, à vivência sensível do agora.”
Gravada em diferentes países, a criação reúne gestos, ruídos e silêncios que se tornam mensagens sensíveis e universais.
RESSOE representa um marco em sua jornada criativa. “Essa obra traduz a minha diversidade cultural, o meu olhar aberto para o mundo. Sempre viajei muito, sempre convivi com pessoas de diferentes culturas. E valorizo profundamente essas trocas. Elas são parte de mim. Estão em tudo que eu faço.”
Ao final, o convite é simples — mas poderoso: parar. Entrar. Escutar. Permitir-se. Afinal, RESSOE não é uma instalação para ser entendida com a mente, mas sentida com o corpo.
A instalação estará aberta ao público até 14 de junho, no Largo da Alfândega, no Centro de Florianópolis, em um container especialmente projetado para abrigar a obra. A entrada é gratuita e livre para todos os públicos.
Por: Carolina Beux
Da redação
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