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Escrevendo em red-blue, por Luzia Almeida
Uma crônica sobre o amor, sendo mais do que o 'Eu te amo'

'A poesia do amanhecer é um caminho pra quem quer vencer os desafios da vida', diz Drummond. ***CLIQUE PARA AMPLIAR.

Publicado em 19/04/2024

         Sempre é cômodo falar em poesia. A palavra poética é um tipo de oxigênio, de água e de luz. Embora seja simples entender a partir dos elementos básicos: oxigênio, água e luz; isso não reduz nem um pouco a complexidade da palavra de amor, porque o sentimento que organiza o texto se veste de poesia e, como um pássaro azul, canta nas manhãs de abril. O sentimento de amor é um pássaro azul. Então, definir poesia passa por tantos pássaros luminosos que nos obrigam a pensar no deleite da saudade de tantas frases de amor que foram manifestas na ausência da timidez. A poesia é um verbo red-blue e dispensa todos os requebros da noite, porque não há cor na escuridão. Conjugar o verbo red-blue é como passar rente a artéria aorta e mergulhar num mar de encantamento que se mostra através da engrenagem de tantas frases que não se perderam porque a palavra, que é pássaro, também é farol.

          No poema de amor há um vínculo que nunca perde o sentido. Pode ser comparado ao amanhecer. As palavras, que amanhecem, organizam-se em fileiras — para receber um rei ou uma rainha — um tipo de cenário real que acena sutilezas sem fim. Acenos que se mostram em sorrisos e reverências para notificarem o dia. Assim, o poema “Aurora” de Carlos Drummond de Andrade aponta, como exemplo, o que quero propor nesta conjugação de ideias, onde o amor não se percebe no ímpeto do sentimento, mas no flagrante do nascimento do dia: “Entretanto eu te diviso, ainda tímida / inexperiente das luzes que vais acender / e dos bens que repartirás com todos os homens”. Há uma promessa de afeto e de liberdade que amortece a adversativa “entretanto” e transpõe o verbo “divisar”. O que é lindo em um poema não é apenas o que se percebe nas ideias do poeta, que as palavras tentam traduzir, mas o mistério do que quase é dito, quase sentido e quase anunciado. É essa parada brusca que enternece o coração. A parada que fica entre — na fronteira — no meio de um suposto significado etéreo. O não dito que é gritado pra dentro... que, embora sendo grito, também é soluço e consolo.

          Dizer “Eu te amo” apenas: é quase inválido, é muito simples pra quem tem a profundeza do oceano no coração. Não diga somente “Eu te amo” porque isto é uma terrível economia. As palavras fervem. Abandone a simplicidade e avence na semântica do coração. Há apelos com roupas de fadas. Há sóis e planetas sem nomes. Não se pode viver sem regar as palavras que protestam por discursos afetivos. O ser humano alcançou territórios inéditos e não pode, simplesmente, perder-se com três palavras. Assim, apesar das dormências da vida, o que cura e afasta o assombro da noite sempre será a poesia. Ela precisa ser descoberta como uma borboleta rara no seio de uma floresta. Seu azul precisa ser descoberto e seu vermelho, adivinhado.

          E o poema de Drummond continua: “Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, / adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna”. A poesia do amanhecer é um caminho pra quem quer vencer os desafios da vida. Não basta ter uma caneta, é preciso ser poeta. Não se pode controlar os dias, os meses e as eras... é preciso fugir do controle da palavra tempo-exato, da palavra engessada e dar suporte a tantas canções que ainda estão esperando seus autores. A vida existe e é agora. A vida é a cor da caneta. É uma bênção e também é prece.

Texto por Luzia Almeida

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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