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Oriente-se! Por André Vasconcelos
Cozinha oriental vai além do sushi e revela histórias milenares

Oriente-se! Por André Vasconcelos
Sushi e sashimi se tornam símbolos de uma cozinha globalizada. (Foto: Divulgação)

Publicado em 11/09/2025

Quando pensamos em cozinha oriental logo vem à cabeça um buffet colorido de sushi com ares de verão californiano nas esteiras de fast foods de shopping.

Uma imagem imediata e absolutamente errada!

Porém, antes de falar dos sabores, interessante seria definir o que é Ocidente e onde é Oriente, aliás, os vários Orientes!
Soa incorreto delimitá-los geograficamente pelos meridianos, pois assim a maioria da Europa seria considerada oriental por ficar a leste do Meridiano de Greenwich.

Alguns historiadores consideram Oriente e Ocidente pela religião predominante: Oriente = muçulmanos e budistas e Ocidente = cristãos e judeus.
Temos assim o Egito africano e oriental, e Israel, mais ao leste, asiático e ocidental.

Prefiro pensar gastronomicamente sobre essa separação, mais definido e mais confuso também!
Do Oriente vieram os condimentos que movimentaram economicamente um período da história, tanto que no século V o general Alarico, um visigodo, exigiu um resgate de três toneladas de pimenta para libertar Roma do domínio de seus exércitos.

As grandes navegações ganharam força no século XV em busca de um caminho para as Índias, o nome dado à rota marítima descoberta por Vasco da Gama, que contorna o continente africano pelo Cabo da Boa Esperança, até chegar ao Oceano Índico e às Índias, a terra das especiarias!

A canela do Ceilão, a noz moscada das Ilhas Molucas, o cravo da Indonésia, o ópio, o gengibre e principalmente a pimenta do reino do norte da Índia.

Partindo de outro oriente, o Oriente Médio, que vem desde o Marrocos no Atlântico, temos o grão de bico, a romã, as favas e o pinoli combinados com o zathar, o sumac e a pimenta síria dando sabor a riquíssima cozinha que encanta o mundo, perfumada com tomilho, hortelã e salsinha, as ervas do mundo árabe.

Mais ao leste voltamos à Índia, um país com quase um bilhão e meio de habitantes e incontáveis famílias, cada uma com seu tempero característico, a sua massala, um termo genérico para descrever a mistura de ervas e especiarias.

Ela é um segredo passado de geração para geração temperando pratos como o frango Tandoori, um simples frango, aos pedaços, refogado na manteiga ghee, cozido no iogurte e temperado com a massala típica de cada família, várias receitas em uma só receita!

Seria bem diferente se Vasco da Gama tivesse aportado no Brasil ao invés da Índia.
Teria encontrado as índias moqueando suas caças, raízes, frutos e vegetais com cumaru, imbiriba, pimenta-de-macaco, amburana, priprioca, puxuri e tantos outros sabores autênticos de Pindorama, terra das Palmeiras como chamavam os índios, ou Ilha de Vera Cruz como batizaram os portugueses.

Voltando ao Oceano Índico, chegamos a uma profusão de ilhas no sudeste asiático carregadas de sabores, culturas, povos, receitas, coentro e pimenta, muita pimenta.
Pimenta por vezes domada pelo leite de coco e outras reforçada por outras especiarias batizadas de indianas, porém, sem pimenta não há como descrever a culinária tailandesa, balinesa, vietnamita ou indonésia.

Viajando mais ao leste pelo mar oriental que banha tantos sabores, temos a Austrália que é o mais ocidental dos países orientais e tem como representante maior de sua gastronomia uma sobremesa presente em muitos cardápios ocidentais: a Pavlova… ou simplesmente morango com chantilly e merengue!

Essa combinação banal foi criada para homenagear a bailarina russa, e oriental, Anna Pavlova, que brilhou como nenhuma outra em "A Morte do Cisne"... talvez hoje brilhasse dançando “A Morte do Bom Senso” homenageando o Morango do Amor!

E como falar em poucas linhas do gigante oriental, pelo tamanho de seu território, pela sua população e pela sua gastronomia: a China cuja cozinha, ao lado da francesa, originou todas as cozinhas do mundo!

Gigante e milenar, a cozinha chinesa carrega o conceito do yin e yang, duas forças opostas e complementares que existem em todas as coisas no universo, e tem como conceito cinco elementos, os cinco campos de energia: fogo (amargo), madeira (azedo), terra (doce), metal (picante) e água (salgado).

A culinária chinesa muitas vezes se confunde com a medicina e afirma que a deficiência ou excesso de um desses cinco elementos no nosso corpo, ou na nossa mesa, pode levar a doenças.
Literalmente, na China, a culinária não só alimenta, traz cura e saúde!
A cozinha da China é uma clínica natural!

Em poucas linhas também é difícil de falar dos sabores do Japão, mesmo se me ativer somente as gamas, cores e sabores dos peixes crus.
Para resumir a gastronomia nipônica, nada melhor que ilustrar com a caixa de sushis e sashimis que, se você estiver em Nova Iorque, a capital do Ocidente, o restaurante Nobu pode entregar em sua casa para festejar tudo que os sabores do Japão representam hoje no mundo… festejar um oriente cada dia mais presente na cozinha do ocidente e nos sabores que permeiam cozinhas premiadas!

Vivemos hoje uma cozinha contemporânea totalmente orientalizada!
Basta ver as listas dos maiores e melhores que invadem o mundo gastronômico.
O mundo está se rendendo aos sabores que tempos atrás eram tidos como exóticos.

Frequento a Liberdade, o bairro japonês de Sampa desde a minha infância, e quando, em um passado recente, mencionava sushis e sashimis, o espanto era geral: “você come peixe cru???? Que nojo!!!”

Acredito que o exótico gastronômico deixou de existir ou de ter uma definição e, hoje, talvez o oriente e ocidente não sejam mais definidos como duas cozinhas distintas!
Uma cozinha fusion que une, confunde, difunde e apresenta sabores ora incríveis, ora bizarros!

Do oriente vieram os quinchi, o tofu, os molhos fermentados, os peixes maturados, as pimentas doces e uma quantidade infinita de insumos que há muito pouco tempo não faziam parte de cardápios estrelados do ocidente.
De grilos a tenébrios, de frutos do mar vivos a ovos de pato quase podres, de raízes cruas raladas sobre arroz azedo a doces de feijão… enfim, talvez hoje o exótico seja mesmo o arroz com feijão!!!

Talvez na busca de uma cozinha universal, a gastronomia tenha perdido a sua função original: alimentar o corpo, a alma e trazer nela toda a história de um povo com cores, sabores, texturas e aromas…

Temos hoje uma cozinha pasteurizada pela internet e glamourizada pelos egos… podemos chamar isso de evolução???

Vida que segue… tanoshimu, ou melhor: bom apetite!

 

 

 

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Sobre o autor

André Vasconcelos

André Vasconcelos

Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!


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