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Cruz e Souza, o poeta do idealismo e do desencantamento
“Antífona” de Cruz e Sousa: a cor e a dor na poesia simbolista do século XIX

No dia que se festeja o nascimento do poeta, a colunista Luzia Almeida nos traz a beleza de seus versos, em prosa (foto: fotogram: Internet)

Publicado em 24/11/2023

 “Ó Formas alvas, brancas, Formas claras / De luares, de neves, de neblinas!... / Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... / Incensos dos turíbulos das aras...”. A primeira estrofe do poema “Antífona” de Cruz e Sousa (1861-1898) remete a lugares espirituais onde há vasos com incensos queimando (turíbulos) nos altares (aras). Estas manifestações espirituais combinadas com “formas brancas” são próprias da escola simbolista que fez oposição ao materialismo e à crítica social (engajamento) e optou pelo individualismo e pelo isolamento.

          O poeta Cruz e Souza é o mais belo exemplo de personalidade simbolista. Ele se integra nesta escola porque o símbolo fazia parte de sua vida de um modo bem doloroso se considerarmos que era um poeta negro — de resistência — posto que a palavra é uma arma. E sendo poeta usou a palavra para manifestar o homem sensível que era: “Formas do Amor, constelarmente puras / De virgens e de Santas vaporosas... / Brilhos errantes, mádidas frescuras / E dolências de lírios e de rosas...”. Nesta profusão de versos encontramos um coração afeito ao místico, ao espiritual, talvez, porque o contexto social (real) não lhe sorria como a palavra que sempre o encontrava para que pudesse expressar suas mágoas frente à hostilidade de uma sociedade que o via menor, mas ele era grande! Tão grande quanto seu talento com as palavras que revelavam sua capacidade intelectual. É lamentável que mesmo com a educação que possuía, não pode exercer as funções que lhe eram cabíveis.

          Entender a poesia de Cruz e Sousa é capturar um Brasil racista de ontem e de hoje. Não crescemos enquanto sociedade no plano das humanidades. Rejeitamos a lógica: a cor do ser humano passa longe da cor das flores, dos pássaros e dos peixes. Há um determinismo doentio e conservador na cor da pele imposta como representativa de competência. E essa inverdade sustenta-se numa dinâmica que nem os séculos conseguiram apagar: a indicação da cor, a departamentalização da cor, o elevador da cor... Cruz e Sousa passou por essa indicação, por essa departamentalização e por esse elevador, mesmo com QI elevado e com a música da poesia nas veias. Há uma força social que se dispõe contra pessoas fazendo-as sofrer ainda que elas sejam nobres: nada pode supera a cor enquanto o racional não superar a estupidez.

          O racional que se verifica nos versos: “Indefiníveis músicas supremas, / Harmonias da Cor e do Perfume... / Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, / Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...”, é um tipo de proposta de vida para quem ouve a música para os mortos (réquiem). Percebe-se que é um poema mais pra inverno, a primavera é uma utopia. É um texto que entrega um sentido a partir de uma felicidade que não se alcança, como diria Clarice Lispector uma “felicidade clandestina”. Há música, mas é um réquiem e não poderia ser diferente.

          O simbolismo que se verifica na poesia de Cruz e Sousa, poeta de Santa Catarina, naufraga na alma doce do poeta e emerge numa atitude de resistência a partir da lágrima que a palavra espalha na página e não consegue constranger totalmente. Há um lamento perdido no labirinto dos versos que se perfilam como soldados frente as adversidades sociais. A palavra do homem negro é lança e é flor. É um tipo de expressividade que convida à reflexão porque ele consegue viver o sofrimento em “dolências de lírios e de rosas”.   

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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