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Em entrevista exclusiva ao Imagem da Ilha, a 'Spalla' Iva Giracca fala sobre a carreira e outros projetos

Iva Giracca, 'spalla' da Camerata Florianópolis e estrela do violino. (Foto: Tóia Oliveira) ***CLIQUE NA FOTO PARA AMPLIAR.

Publicado em 12/04/2024

1- Como o violino entrou na sua vida? Foi seu primeiro instrumento? 

O meu pai tocava violão, não profissionalmente, ele era da Guatemala e gostava de tocar músicas em espanhol, música ranchera mexicana, música tradicional guatemalteca, coisas bem latinas. A minha mãe, por sua vez, adorava música, ela chegou a fazer um curso de piano na faculdade, mas nessa época nós não tínhamos piano em casa. Eu sempre gostei de música, foi uma “coisa” que me chamou muito a atenção desde pequena. 

Eu lembro de uma vez, chamar a atenção da minha avó em um shopping, onde tinha um “cara” tocando piano e ela estava conversando com a minha tia avó. Eu chamei a atenção dela porque eu queria silêncio, o “cara” estava tocando, então precisava de atenção… Isso com dois anos e meio, então eu já era uma criança que gostava muito da música. 

Um dia, minha mãe comprou um violão pequeno para mim e quando ela chegou em casa, eu estava com o violão empunho e um “pedaço de pau” fazendo de conta que estava tocando violino. E ela: “ué minha filha, o que é isso aí?” “Ah não sei, eu quero tocar esse, eu vi na televisão e eu quero tocar esse”. 

Do lado do prédio onde minha mãe dava aula em Santa Maria, exatamente do lado, tinha o prédio da música, então ficou muito prático para ela me levar às aulas de música. Naquela época, lá no prédio mesmo, tinha uma irmã chamada Irmã Maria Wilfried, irmã de Schoenstatt, que trouxe o Suzuki para o Brasil. 

Essas foram as primeiras turmas que tiveram o Suzuki no Brasil, foi lá em Santa Maria e eu tive a honra de fazer aula com a irmã Wilfried. Era uma aula individual por semana e no final de semana tinham as aulas de recuperação, os grupinhos e as aulas complementares.

 

2- A Camerata Florianópolis está completando 30 anos. Como foi seu primeiro contato com o maestro Jeferson Della Rocca? Qual, na sua opinião, foi o principal trunfo que levou a orquestra ao patamar de popularidade e reconhecimento que tem hoje? A Camerata pode ser considerada um "fenômeno pop"? 

O meu primeiro contato com a orquestra foi através de um CD que chegou lá em casa, o primeiro CD da orquestra que é de MPB. Eu lembro que achei aquilo fantástico, eu já era fã da Camerata antes de entrar, eu não tinha ideia de que algum dia ia tocar naquela orquestra que eu tinha o CD em casa. 

O trunfo que levou a orquestra ao patamar de popularidade e reconhecimento foi justamente esse cuidado em levar músicas que não são necessariamente escritas para orquestras de cordas e se aproveitar dessas linguagens, que são linguagens populares, fazer arranjos, que são arranjos bonitos, de qualidade, mas com uma linguagem que faz com que aquele público que nunca teve contato com a orquestra, perceba que ela existe, goste, queira participar. 

Às vezes por causa de um concerto que é um concerto de música popular, a pessoa descobre que tem gosto por aquilo, porque afinal de contas, ela nunca tinha tido oportunidade de ver uma orquestra tocar. Hoje mesmo tocamos em uma escola no Mont Serrat, onde talvez só umas 10 crianças alguma vez na vida já tinham visto uma orquestra de corda, eles tiveram essa primeira experiência. 

Então a orquestra tem esse papel de produção de público, e uma coisa muito interessante é que não é só fazer com que a pessoa goste daquilo, chega um momento em que a pessoa começa a sentir necessidade da cultura. Por causa de um repertório ela começa a assistir outro repertório, descobre novos sons, novas experiências pessoais com músicas que ela nem imaginava que ela pudesse ter alguma empatia. 

Isso faz com que a gente tenha um público extremamente eclético, muito vivo, alegre e participante das atividades da orquestra, tanto que às vezes a gente propõe novos concertos, como agora no próximo dia 19/04, a orquestra fará um concerto novo de músicas latinas. 

Mesmo assim, hoje em dia, a orquestra já tem um público, esse que sabemos que mesmo em um concerto novo, uma proposta nova, já vamos ter essas pessoas que já foram desenvolvidas com esse senso de curiosidade com relação ao que a orquestra faz. Definitivamente a orquestra é pop! Já aconteceu comigo algumas vezes de sair em um lugar público e a pessoa vir me abordar e dizer que é fã da orquestra, que gosta muito do trabalho, segue nas redes sociais. 

Às vezes as pessoas propõem novos concertos, perguntam porque faz tanto tempo que a gente não toca uma coisa específica… É muito legal isso, o contato com as pessoas é algo fantástico. Para mim é uma honra ocupar a cadeira de spalla da Camerata Florianópolis, porque é algo que viemos construindo há muitos anos. Eu estou na orquestra há mais de 20 anos e junto com todos os colegas, a produção, o maestro, viemos fazendo com que isso aconteça.

Hoje em dia parece que a orquestra é isso, porém, a orquestra começou sendo uma orquestra escola de música, e foi se profissionalizando aos poucos. Então, agora ela é uma orquestra profissional que já tem status, tem grandes desafios que já foram cumpridos, mas isso aconteceu com muito esforço. 

Inclusive já fica aqui o meu pedido para que o programa do PIC (Programa de Incentivo à Cultura) volte logo, porque é algo que nos proporciona levar mais música para as pessoas de forma gratuita, com qualidade. O programa já está dando espaço para muitos artistas que nunca tinham tido oportunidade de poder produzir coisas maiores, com esse olhar muito empreendedor e também de muito valor social. O PIC tem um olhar para as coisas que são agregadoras.

3- Você é "spalla" da Camerata, nome em italiano dado ao primeiro violino de uma orquestra. Qual a responsabilidade que essa posição traz num concerto?

Ser spalla da orquestra pra mim é uma honra imensurável. Quando eu pensei em ser violinista, nunca pensei que eu pudesse ser a spalla de uma orquestra tão maravilhosa e tão querida por tanta gente. 

Além da questão musical, tem a questão de estar disponível para as pessoas, eu gosto muito desse contato com os colegas, com a produção, essa preocupação em sempre procurar o melhor. Sabemos que não somos perfeitos, estamos longe da perfeição, mas o fato de estar disponível e sempre procurar melhorar alguma coisa, faz com que eu esteja ali de uma forma pró-ativa, não só em relação à música e aos colegas, mas também com relação ao público. 

Por exemplo, eu tenho uma preocupação enorme com que as pessoas me vejam como uma spalla que seja acessível, onde elas possam vir para conversar, que elas não sintam receio nenhum em pedir para tirar uma foto, que tenha esse contato. Eu acho que o artista tem uma certa aura de misticificidade que é importante e tem que ser mantida, mas quando as pessoas se identificam com aquela figura que está lá no palco e conseguem vir trocar uma ideia, se sentirem receptivos com isso, faz com que a nossa humanidade nos conecte de uma forma mais bonita, fazendo com que a gente consiga falar mais na música. 

Há um tempo, quem era solista ou algo assim, era visto como alguém muito longe das pessoas e, hoje em dia, com as mídias sociais, temos um papel muito importante de ser exemplo. Eu sempre me preocupo em como é a melhor forma que eu posso me colocar, então, a questão humana pra mim é muito importante.

 

4- Além da  Camerata Florianópolis,  você atua em outros projetos musicais. Um deles é o "Som com Afeto", em parceria com o acordeonista e compositor Roger Correa. A ideia é levar música a lugares como a Seove, a Serte e  o Asilo São Joaquim. Conte-nos como é a experiência de tocar para idosos nessas instituições filantrópicas.

Na verdade eu tenho um projeto com o Roger Correa, um acordeonista super jovem, ele tem só 26 anos, porém, ele já está despontando como solista internacional. Ele é um músico de uma excelência que aqui no Brasil é difícil encontrar, tem uma sensibilidade musical que é nata dele, também é um jovem muito ligado nas questões de como levar a carreira dele. 

Nós temos o duo que é Iva Giracca e Roger Corrêa e também temos o quarteto, Iva Giracca e Roger Corrêa quarteto, que conta com o percussionista Alexandre Damares e com o violonista Arthur Boscato, que são dois músicos excelentes, os quais a gente já era fã antes de fazer esse projeto juntos. Com esse quarteto, temos um disco gravado que é o “Sul em Aquarela”, que foi lançado há dois anos atrás, o qual a gente tem feito apresentações. 

Já fizemos gravação no Sesc Instrumental em São Paulo, já fizemos turnê pelo PIC, tanto com o duo quanto com o quarteto, é um trabalho que mora no meu coração. E o “Som com Afeto” veio do duo Iva Giracca e Roger Corrêa através da Lei Paulo Gustavo. O “Som com Afeto” para mim, tem uma responsabilidade social muito grande, porque estamos levando música para pessoas que já estão no final da vida, já passaram por todas as coisas boas e ruins que a vida pode oferecer e muitas delas estão com problemas que fazem com que elas não estejam mais tão presentes. 

Às vezes, com a música, conseguimos acessar aquele cérebro que já está um pouco “judiado”, um pouco abandonado, então chegamos com a música em lugares que fazem a pessoa reviver novamente, onde enxergamos no brilhar dos olhos, no sorriso, quando levantam para dançar, que já estão melhores. 

Teve uma situação que eu achei tão bonitinha, onde, durante uma apresentação, o nosso concerto virou um baile, todos começaram a levantar e dançar, alguns inclusive dançaram na cadeira de rodas com as suas cuidadoras, foi um momento que eu nunca vou esquecer na minha vida. 

Iva Giracca no palco durante o espetáculo Camerata Florianópolis e Beatles, em Março de 2024.

5- Você e um grupo de músicos estão gravando sete canções do boi de mamão, uma das manifestações folclóricas mais importantes de Florianópolis. Como surgiu a ideia? Quando e como o público poderá ouvir esse novo trabalho?

Tenho também o quarteto Nume, que é um quarteto de cordas. Começamos antes da pandemia, mas tivemos que parar por conta da mesma. Agora nós voltamos muito felizes porque estamos fazendo a gravação do Boi de Mamão para quarteto, com arranjo do Javier. 

Esse quarteto é composto por mim(Iva Giracca) no violino, Mario Marçal no violino também, Mariana Barardi na viola e a Gabriela Bock no violoncelo. É um quarteto muito lindo, onde temos esse intuito de levar a cultura local. Aqui, o Boi de Mamão é muito forte e muito importante. Todas as formas de mantenimento da cultura são fundamentais e no momento que temos o Boi de Mamão que é algo tão representativo da Ilha e de todas essas regiões, fazemos com que as pessoas se identifiquem com aquilo.

Florianópolis possui essa característica de trazer tantas pessoas que nasceram em outros estados, inclusive eu, que vim do Rio Grande do Sul. Eu vejo que aqui, com essa questão das pessoas virem de outros lugares para Florianópolis, a cultura precisa ser reforçada, valorizada e mostrada. Isso é uma forma que eu e o grupo, já que não somos todos daqui, temos de agradecer a essa cidade por ter nos recebido de um jeito tão bonito e ter nos dado oportunidades, que, do lugar de onde viemos, não tivemos. 

Então, o Boi de Mamão é um projeto que foi pensado pelo quarteto, principalmente pelo Mario e pela Mari, que propuseram essa ideia pra gente, ideia linda. Achamos importante levar essa música, que é uma música muito raíz da cidade para a linguagem do quarteto, que é completamente diferente. A nossa intenção com isso é que as pessoas realmente se sintam acolhidas e prestigiadas com a nossa homenagem para a ilha e para essa cultura que é tão linda.

 

6- Todo músico de orquestra precisa cuidar da imagem. Você é vaidosa? Seus fãs sempre ressaltam sua beleza física, além do talento.

Nós que estamos no palco, nos preparamos, estamos ali para oferecer ao público o melhor do que nós temos, então eu, especialmente, tenho diversos roupeiros com peças diferentes porque cada concerto é um concerto muito especial pra mim. Então eu me preparo, o figurino é importante, a maquiagem é importante, cabelo é importante, tudo é importante e a música é fundamental. 

 

7- A música erudita continua viva, atraindo plateias ao redor do mundo. Quais são os compositores que você mais admira e gosta de tocar? Quem foi o maior violinista da história?

É difícil escolher um só, sou muito fã da Hilary Hahn, Isaac Perlman… O Paganini foi o mais famoso de todos, mas ele não é o meu preferido, acho que ele fez coisas dificílimas no violino, mas eu não consideraria ele o mais bonito, por exemplo. Como violinista, o Ysaÿe foi um grande nome do violino porque ele também foi professor e ensinou muito da música, trouxe a música no patamar além da dificuldade e da beleza junto. 

Tem um violinista brasileiro que é um jovem espectacular e eu tive a felicidade em vê-lo ao vivo tocando com a OSPA, o Guido Sant'anna, sou muito fã dele. Aqui em Florianópolis também temos músicos maravilhosos que devem ser valorizados.

 

8- Fale-nos sobre a atual cena da música erudita em Santa Catarina.  Quem são as pessoas que costumam ir aos concertos? Os mais jovens conhecem e aplaudem Beethoven e outros compositores clássicos?

Através desses anos todos que a Camerata veio fazendo esse trabalho de trazer as pessoas para o teatro, fazendo com que elas se sentissem confortáveis em assistir todas as coisas que a gente se propõe. Aqui em Florianópolis, nós felizmente temos um público de música erudita que é mais jovem do que o que a gente viu na Europa, por exemplo. Quando fomos para lá, percebemos que o público que assiste música erudita é um público bem mais idoso do que a média que tem aqui em Florianópolis e também nas cidades do interior. 

Eu acho que isso é algo especial que temos no Brasil, apesar das dificuldades não só com a música erudita, mas também com a arte, acredito que temos um público para isso.  Precisamos ter um olhar muito cuidadoso e continuar levando música erudita para as pessoas, para que elas se sintam pertencentes disso. 

Por muitos anos, a música erudita teve essa conotação exclusiva de que seria só de uma elite e na verdade não, a música erudita é apenas um estilo musical que foi consumido por uma elite por muito tempo mas justamente porque entrar no teatro era algo que demandava muito dinheiro, roupa especial… Ainda existem lugares na Europa em que não se pode ir ao teatro com uma roupa comum, é preciso alugar um traje especial para  assistir ao concerto. 

Aqui no Brasil temos essa liberdade, se a gente quiser sair da praia e ir ao teatro, é possível e está tudo certo, as pessoas não vão criticar e nem barrar. Para a pessoa que está assistindo eu acho extremamente benéfico que ela não tenha empecilhos para estar lá e absorver essa arte. 

Quando vamos fazer a Nona Sinfonia de Beethoven e conseguimos identificar desde jovens com 12 anos até idosos com dificuldade de caminhar, cadeirantes, enfim, percebemos que temos um público que consome a música erudita séria, também de todas as idades, isso nos deixa muito felizes. 

Eu acho que esse é um dos grandes méritos da Camerata e por isso tenho muito a agradecer ao maestro Jeferson Della Rocca e a Maria Elita Pereira que são os grandes responsáveis pela orquestra desde o começo, também pelos demais colegas que estão na orquestra desde o começo, porque tem alguns profissionais que fazem parte da orquestra desde que ela foi fundada. 

Entrevista Urbano Salles

Edição: Caroliina Beux 

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