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Brasil, onde os avós sacrificam os netos

Brasil, onde os avós sacrificam os netos
O Brasil enfrenta hoje um risco civilizacional ao repetir debates e conflitos do passado, que já não refletem os desafios atuais nem as demandas das novas gerações. (Imagem gerada por IA)

Publicado em 15/08/2025

O maior risco que o Brasil enfrenta hoje não é uma tarifa ou uma fala de cúpula. É o risco civilizacional de viver preso ao passado. Tanto a parte da direita quanto da esquerda brasileira ainda operam, hoje, a partir de lentes formadas no século XX — ou pior, no século XIX. O debate público gira em torno de ícones e inimigos que já não existem, ou que se transformaram profundamente. — O que os nossos filhos e netos ganham com isso?

Na extrema direita, há um fetiche persistente por 1964. Não raro, setores conservadores ainda tratam o golpe militar como modelo de ordem, progresso e crescimento. O autoritarismo — que teve seus ótimos momentos de crescimento econômico, sim, mas ao custo da supressão de liberdades e da institucionalidade — é lembrado como um ideal de estabilidade, como se o tempo não tivesse passado, como se os desafios do Brasil em 2025 fossem os mesmos da Guerra Fria. Não são.

A lógica internacional mudou. Naquele tempo, os Estados Unidos apoiaram regimes militares como parte de uma estratégia para conter o avanço soviético. Hoje, os EUA não apenas abandonaram essa lógica — eles a condenam. Washington, especialmente após os anos 2000, redefiniu sua política externa: o apoio a democracias liberais passou a ser o eixo central de sua influência global. Isso os diferencia de potências centralistas, como Rússia e China; e é isso que “esperam” do Brasil, que sejamos uma democracia estável, previsível, funcional. Não mais um regime de força, ainda que “ordeiro”.

Reviver ou romantizar o passado, pois, não é apenas anacrônico, mas profundamente prejudicial à imagem e às aspirações internacionais do país.

Por outro lado, a esquerda brasileira também opera em modo vintage. Discursos anti-imperialistas, retórica de soberania nacional com moldura de 1970, pedem um passado que não serve mais. Os jovens brasileiros não estão preocupados com o que aconteceu há sessenta anos. Estão preocupados com o que acontecerá nos próximos dez. Eles querem prosperidade, discutir inteligência artificial, sustentabilidade, produtividade, educação digital, economia criativa, saúde mental, habitação e conectividade. Querem um lugar ao sol. Querem entender por que a China enseja adesão automática a slogans da “resistência” internacional — mesmo quando isso significa defender ditaduras brutais como as do Irã, da Venezuela ou de regimes teocráticos que o Brasil, como democracia multiétnica, deveria rejeitar. Essa linguagem, como parte da direita, é lida no exterior como populismo anacrônico — e, mais grave, como sinal de falta de realismo estratégico. Vimos isso no Brics, no Rio, enquanto o Brasil provocava os Estados Unidos, a primazia do dólar e Israel. O presidente da China sequer veio. O presidente da Índia calou. Ambos negociavam com os EUA. Ambos têm consciência: a guerra comercial é o melhor substituto para o que seria a Terceira Guerra Mundial, e este é um ponto-chave. Tem seus lemes virados para o futuro.

Ambas as visões, à esquerda e à direita no Brasil, são variações do mesmo erro: tratar o presente com ferramentas do passado e fantasmas que já não se sustentam no contexto atual. Como escreveu Gabriel García Márquez, quando o realismo se dá de forma pelas obsessões do inconsciente coletivo, nasce o realismo fantástico — uma ilusão que, no nosso caso, custa caro.

O Brasil vive, assim, uma espécie de realismo fantástico político: de um lado, em parte da direita, projetam no presente a sombra heroica de 1964. Do outro, a esquerda enxerga em Washington o mesmo “inimigo imperialista” que via nos tempos da guerra do Vietnã. Ambas as narrativas estão deslocadas do tempo histórico. Elas se projetam da nossa política interna para fora. Ambas deixam o Brasil paralisado internamente e de calça curta no cenário global.

E é neste ponto que a metáfora dos avós sacrificando os netos e filhos ganha força: quando as gerações mais velhas insistem em impor suas disputas ideológicas inconclusas e seus complexos às gerações futuras, o futuro é condenado a repetir um passado que não serve mais. Os jovens brasileiros não estão preocupados com o que aconteceu há sessenta anos. Estão preocupados com o que acontecerá nos próximos dez.

Eles querem prosperidade, discutir inteligência artificial, sustentabilidade, produtividade, educação digital, economia criativa, saúde mental, habitação e conectividade. Querem um lugar ao sol.

Querem entender por que a China ensina programação no ensino fundamental, como fazem sua incrível revolução tecnológica e de infraestrutura, por que a Estônia já vive em governo 100% digital, por que a Índia atrai centros globais de pesquisa e inovação. Mas o que a política oferece são debates sobre tanques, telegramas, grampos telefônicos, fantasmas ideológicos e retóricas que já não cabem em lugar nenhum.

O futuro pede passagem.

O Brasil tem todos os atributos para ser um país relevante no século XXI: base democrática, diversidade cultural, recursos naturais, território extenso, paz social, economia diversificada e capital humano. Mas falta-lhe uma coisa: realismo estratégico.

Precisamos abandonar as disputas inconclusas do século passado. Nem o autoritarismo militar é solução, nem o antiamericanismo romântico constrói caminhos. O mundo exige pragmatismo, diplomacia, inovação e um senso de urgência que o Brasil, prisioneiro de seu passado, precisa chutar para frente. Uma relativa pacificação interna será a pré-condição.

Como disse certa vez George Kennan, o pai da doutrina de contenção americana: “O maior erro de um país é subestimar as mudanças do seu tempo.”

 

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Sobre o autor

Vinicius Lummertz

Vinicius Lummertz

Ex-Ministro do Turismo, ex-Secretário de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo, ex-Secretário de Articulação Internacional de Santa Catarina


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