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Opressão, violência e sintoma - Qual é o nosso papel na construção de um mundo saudável?

Em tempos de sofrimento coletivo, precisamos olhar com mais atenção para os vínculos que estabelecemos, os valores que cultivamos e o que chamamos de “normal”. (Foto: Canva)

Publicado em 11/05/2025

As relações humanas são urdidas no tempo, permeadas por culturas vivas em constante processo de transformação. Nós tornamos a cultura viva com nossas crenças, nossos hábitos e nossos costumes. Ao olharmos para um indivíduo, num determinado contexto, olhamos uma parte de uma trama complexa, tecida ao longo de milênios. 

Quando pensamos na sociedade, pensamos em pessoas. Pensamos em nós como pais, como educadores, profissionais de todas as áreas. Pensamos nos representantes das nossas comunidades, nas lideranças. Pensamos em nós como empregados, empregadores, empreendedores, cidadãos. E pensamos nas crenças que permeiam nossas posturas cotidianas.

Desequilíbrios psíquicos se manifestam em nós, mas, comumente, estão relacionados ao resto da teia. Assim é que, em determinadas épocas, certas doenças se desenvolvem em função das condições históricas, relativas àquele momento e aquele território. 

Hoje, infelizmente, no mundo todo, observamos um aumento crescente de alguns sintomas como ansiedade e depressão, em indivíduos de todas as idades.  Estamos diante de um emaranhado de agentes que, certamente, contribuem para isso. Encontrar o começo desse fio talvez seja tarefa malograda, mas pode ajudar muito, conhecer, pelo menos, parte dele. 

Fatores que se destacam, com potencial de ameaçar a integridade e o equilíbrio psíquico das pessoas, residem nas relações que se estabelecem em bases opressivas e violentas. 

A opressão e a violência possuem muitas facetas. Relações nas quais há tirania, dominação, crueldade, coação, exploração, são potenciais desencadeadoras de rupturas ou de desequilíbrios psíquicos. A prática da opressão pressupõe uma falsa noção de superioridade entre indivíduos, grupos e nações. Existem graus de opressão, mas, comumente, estão “embaladas” nas relações de poder —  aparecem nos vínculos interpessoais, entre um indivíduo e um grupo, entre homens e mulheres, entre o Estado e seus cidadãos, entre nações. 

A opressão e a violência também se  expressam através da negligência e da indiferença, na medida em que destituem do outro a sua importância. Quando há opressão retira-se do outro horizontes de sentido, ou seja, subtrai-se  o que lhe poderia conferir coerência, orientação e direção existencial. Quando há qualquer tipo de opressão ou violência nega-se o espaço existencial no qual o outro poderia se expressar na sua singularidade e se ultrapassa as linhas que podem ser assimiladas, psicologicamente. 

A opressão e a violência são o contrário do acolhimento, da delicadeza, do cuidado, do diálogo, do respeito, da valorização, do amor — habilidades que podemos aprender e podemos desenvolver. É pensando na promoção da saúde, que nenhuma menina e nenhum menino deveria crescer com a percepção de que a violência é algo familiar, porque é na infância que desenvolvemos as nossas primeiras percepções sobre o mundo e o que nele é permissível. 

Os sintomas que manifestamos hoje, cada vez mais comuns no mundo inteiro, não são a doença em si. As doenças psicológicas não devem ser confundidas com os  sintomas. Estes aparecem como uma espécie de febre, pedindo escuta. 

A doença está na normalização da violência e do sofrimento. Chegamos a pensar que o sofrimento se confunde com a própria vida. É inegável que podemos aprender muito com o sofrimento, especialmente podemos desenvolver a empatia. Mas não podemos alimentar a ideia de que não há nada que possamos fazer para reverter esse quadro de crescente sofrimento psíquico universal. Todos nós, nas nossas relações cotidianas, podemos aprimorar a nossa escuta, o que dizemos e o que fazemos. 

Podemos aprender a escutar a nós mesmos, porque é assim, também, que aprendemos a compreender o outro. Podemos questionar as crenças fatalistas de que o mundo não tem jeito, começando por nos indagar. Podemos nos perguntar o que consideramos “normal” e o que valorizamos. Podemos avaliar como anda a nossa capacidade de imaginar um mundo melhor. Podemos nos interrogar como cidadãos e como eleitores, quando escolhemos apoiar valores inclusivos ou violentos. Podemos, enfim, olhar para nós mesmos como pais, como mães, como amigos, como amantes, como colegas de trabalho e nos perguntar, como estamos desenvolvendo esse papel, tão fundamental que é construir aquilo que um dia, olhando para trás,  alguém vai chamar de realidade.

 

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Sobre o autor

Denise Evangelista Vieira

Psicóloga formada pela UFSC e em Artes Cênicas pela Udesc. Escreve sobre o universo humano. Quem somos e em quem podemos nos tornar? CRP 12/05019.


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