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Oscar Wilde e Cecília Meireles: retratos de uma mocidade perdida, por Luzia Almeida

Entre o espelho e a eternidade, o texto nos convida a olhar para o tempo não como inimigo, mas como mestre — e a juventude como passagem, não como prisão. (Foto: Pixabay)

Publicado em 02/05/2025

          Perdemos a mocidade porque estamos tão encharcados de infância ou tão preocupados com a maturidade que, simplesmente, esquecemos esse tempo intermediário. As espinhas no rosto e as tempestades do primeiro amor no coração também tiram as cores e as luzes dessa fase que... “Quando se vê, já é sexta-feira! / Quando se vê, já é natal!... / Quando se vê, já terminou o ano... / Quando se vê perdemos o amor da nossa vida”: como disse Mário Quintana marcando “O tempo”. A mocidade é uma flor, ela passará com a nostalgia de Meireles ou com a maldade de “Dorian” personagem de Oscar Wilde. Mas, a mocidade é a melhor fase da vida? Eis uma reflexão e uma pergunta de retórica.

          Meireles afirma: “Eu não tinha este rosto de hoje, / assim calmo, assim triste, assim magro, / nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo”. E Wilde confirma: “Sim, chegaria o dia em que o seu rosto se enrugaria e murcharia, seus olhos perderiam o brilho e cor e a graça de suas faces se romperia e deformaria”: o poema e o romance encontram-se na mesma dor da mudança inevitável. Se para Meireles a constatação da fugacidade revela-se num retrato ou num espelho, para Wilde a fugacidade é dolorosa na certeza da perda da beleza. O tempo passa para ambos, mas no romance “O retrato de Dorian Gray”, publicado em 1890, a adoração pela mocidade leva o personagem hedonista à desfaçatez e ao crime.

          Em Meireles há descoberta: “Eu não dei por esta mudança, / Tão simples, tão certa, tão fácil: / — Em que espelho ficou perdida / a minha a minha face?”. Mas, em Wilde há idolatria: “Se eu ficasse sempre jovem, e se este retrato envelhecesse! Por isso... por isso eu daria tudo! Sim, não há nada no mundo que eu não desse! Daria até a minha própria alma!” e, assim, o personagem “Dorian” ficou blindado somente para o tempo, a idolatria o arrastou para a lama da perdição. Perder a mocidade para o tempo é natural, mas perder-se por causa dela é lamentável.

          Numa época de depressões e de instabilidades, o sujeito pós-moderno segue fraturado. Na classificação de Stuart Hall, “Dorian” é um sujeito sociológico, mas sua interação com o meio é destrutiva: a influência de “Henry Wotton” é danosa ao ponto da ruína total. A sociedade não o acolhe, o seduz; por isso seus relacionamentos são descartáveis. Pobre “Dorian”! Ancorou sua alma na beleza de uma pintura e naufragou num mar de crimes. Todavia, a literatura leva-nos a refletir além da classificação de Hall no que se refere ao sujeito pós-moderno. Sem um eixo, o indivíduo — com a identidade fragmentada — cambaleia num processo de vulnerabilidade.       

          Assim, precisamos adaptar-nos às mudanças com a mesma lógica que usamos quando saímos cedo de casa para não chegarmos atrasados no trabalho. E o maior exemplo dessa lógica eu encontro em Davi quando, na sua fraqueza, volta-se para Deus e desconsidera seu poder de rei de Israel. Mais do que a beleza de “Dorian”, o poder de Davi poderia embriagá-lo e, embora tenha cometido crimes, não naufragou eternamente porque dizia (e isto ficou registrado no Salmo 18): “Eu te amo, ó Senhor, força minha. O Senhor é a minha rocha, a minha cidadela, o meu libertador; o meu Deus, o meu rochedo em que me refugio; o meu escudo, a força da minha salvação; o meu baluarte.”

          Davi encontrou no Senhor a paz de um porto seguro. Ora, o que é a mocidade diante da eternidade?

 

 

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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